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RETC
04 (Ano II - VOL II) – 2º. Semestre de 2008 – ISSN 1981 5646
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ENTREVISTA
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Luiz Gonzaga Godoi Trigo
Foto de Vera Marcellino
Professor associado do curso de Lazer e Turismo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, o Prof. Trigo é um dos mais brilhantes intelectuais na área do Turismo Cultural brasileiro. Graduado em Turismo pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1983), licenciado em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1988), mestre em Filosofia Social pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (1991) e doutor em Educação pela Universidade Estadual de Campinas (1996), tornou-se Livre Docente em Lazer e Turismo pela ECA/USP em 2003. Foi diretor de turismo da Prefeitura de Campinas (1989-1991), diretor e assessor de turismo e hotelaria do Senac-SP (1995-2004) e professor da PUC-Campinas (1988-2007). É membro da Congregação da EACH/USP e coordenador do projeto "Caminhos do Futuro", entre o Ministério do Turismo e o Núcleo de Lazer e Turismo da USP. Foi um dos membros da Comissão de Turismo do Ministério da Educação para o ENADE (2006). Publicou 12 livros e centenas de artigos e capítulos de livros nas áreas de viagens e turismo, educação e entretenimento. Pode conversar com o Prof. Trigo é mais do que um prazer, trata-se de um privilégio! Esperamos que os leitores desfrutem deste bom papo com um dos mais novos membros do nosso Conselho Editorial.
Entrevista – Luiz Gonzaga Godoi Trigo
Como o senhor iniciou sua carreira?
Sempre gostei de viagens, desde minha infância. Minha mãe era professora de história e geografia e havia muitos livros em casa, inclusive de viagens. Aos 15 anos, entrei no primeiro curso Técnico de Turismo do Brasil, organizado entre o Senac Campinas e uma escola pública de Campinas (Colégio Estadual Culto à Ciência). Aos 16 anos comecei a trabalhar como guia acompanhante em uma empresa de turismo rodoviário de Campinas (Ensatur). Depois fui para a Rochatur, também trabalhar como guia rodoviário, enquanto terminava o curso técnico. Entrei na ECA-USP em 1978, em jornalismo. Em 1979, comecei a trabalhar na operadora turística Abreutur, em São Paulo, como emissor internacional e guia internacional. Voltei para Campinas em 1980, onde terminei Turismo na PUCC e depois cursei filosofia. Em 1988, entrei no mestrado na PUCC e comecei a dar aulas no curso de turismo na mesma universidade. Em 1989, fui convidado para a ser diretor de turismo da Prefeitura de Campinas e lá fiquei até 1992. Tendo defendido o mestrado em 1991, ingressei no doutorado em Educação da Unicamp, em 1993. Minha carreira acadêmica começou em 1988 na PUC-Campinas, onde fiquei até 2007. Fui diretor e assessor da área de turismo e hotelaria do Senac-SP (1995-2004) e, desde 2005, estou como docente na EACH/USP.
Qual foi o professor que mais o influenciou? No curso de Turismo foram Maria Ângela M. A. Bissoli e Archimedes Gutilla (hotelaria). Na Filosofia foram João Francisco Régis de Morais (depois meu orientador de doutorado) e Constança Marcondes César.
Na coluna da Soninha (Folha de São Paulo), ela destaca seu passeio na Alemanha e afirma que “Viajar é tão fabuloso, tão inspirador e revigorante que deveria ser considerado direito fundamental, necessidade básica incluída em programa social”. No seu livro Turismo Básico o senhor já defendia essa idéia há treze anos. Quando será que teremos as viagens e o turismo como um direito legítimo e acessível a todos?
Qual a sua opinião sobre a LGT e a regulamentação da profissão? A Lei Geral do Turismo é uma tentativa válida de aprimorar a organização do turismo no país. Não é perfeita, faltaram alguns pontos importantes e é preciso lembrar que o turismo depende de políticas convergentes e articuladas entre si (políticas externa, econômica, cultural, de transportes e social). O fundamental é que os empresários do setor, os profissionais e a sociedade em geral sejam co-responsáveis na estruturação do turismo brasileiro. Não se pode deixar a responsabilidade toda nas mãos dos governos, seja ao nível federal, estadual ou municipal. A participação social é fundamental para aprimorar as leis e garantir que sejam respeitadas.
Regulamentação da profissão de turismólogo foi uma bandeira importante na década de 1970. Hoje é impossível e absolutamente dispensável. É um engodo e um engano pensar que a regulamentação ajudará alguma coisa, pois a área está fragmentada entre turismo, hospitalidade, gastronomia, entretenimento, eventos, esportes... Tudo isso será regulamentado? Claro que não. O importante é a capacitação profissional de qualidade constante e a regulamentação de algumas atividades profissionais. Escrevi um texto bem documentado sobre isso: Reflexões sobre a regulamentação profissional em turismo. In: CARVALHO, Caio L. e BARBOSA. Luiz G. M. (orgs.). Discussões e propostas para o turismo no Brasil. Rio de Janeiro: Senac/FGV, 2006.
No Brasil, quase não se estuda o entretenimento. Afora seu livro, quase não se publica nada sobre o assunto. Por que há tão poucos estudos sobre o entretenimento? Há estudos e pesquisas sobre mídia, tecnologia em comunicação e cultura em geral, mas realmente poucos estudos sobre entretenimento. Talvez por desconhecimento da importância econômica e cultural que o entretenimento possui em nossas sociedades conectadas digitalmente. Meu livro foi fruto de pesquisas que geraram a tese de livre docência na ECA-USP (2003) e posteriormente publicada pela editora Senac-SP (Entretenimento – uma crítica aberta). Está em sua segunda edição. Na época o texto foi amplamente noticiado pela mídia impressa e eletrônica e causou grande interesse devido ao ineditismo da análise. A segunda edição saiu atualizada, ampliada e com algumas tendências apontadas até 2012.
Após doze anos do seu livro Turismo e Qualidade, pergunta-se: como organizar a prática turística na periferia do capitalismo? A receita é antiga, mas nunca foi corretamente seguida: Qualidade em serviços, treinamento e aperfeiçoamento profissional, capacitação técnica, operação e gestão permanentemente profissionalizada. No final da primeira década do século 21, não se pode rotular o Brasil de “periferia”. O país possui imensos bolsões e segmentos altamente desenvolvidos (aviões, petróleo, agro-indústria, hotelaria, gastronomia, industria de bens duráveis, siderurgia...). O país apresenta avanços significativos ao lado de problemas recorrentes como a má gestão da aviação comercial (ainda nas mãos dos militares da aeronáutica); a falta de consciência de alguns empresários; a política externa que teima em exigir visto de entrada para os países desenvolvidos em uma reciprocidade nefasta; infra-estrutura deficiente; sinalização precária; problemas de segurança; qualidade de serviços instável e assimétrica ao longo do país; sem contar a injustiça social e a violência urbana. Enfim, o país vive em um paradoxo com suas contradições, mas já com muitas características de país desenvolvido. Nos últimos quinze anos o turismo brasileiro evoluiu consideravelmente, mas ainda há muito a avançar para nos igualarmos aos patamares internacionais de ponta.
Viagem turística e massificação. Qual sua opinião sobre essa temática? O turismo de massa é uma realidade desde as décadas de 1950/1960. Alguns intelectuais o criticam por várias razões. Eu concordo com as críticas que são feitas à devastação ambiental e ao comprometimento cultural ou social, mas algumas áreas de turismo de massa são fluxos normais de trânsito e visitação (Paris, Roma, Londres, New York, cruzeiros no Caribe e Mediterrâneo, grandes eventos internacionais, parques temáticos, Las Vegas, praias brasileiras no verão etc.). Há também um certo pedantismo na critica ao turismo de massa. É evidente que eu também preferiria viajar em um jato privado, ir para uma praia particular, uma vila no mediterrâneo ou um iate luxuoso, mas a realidade é que a maioria só consegue viajar na classe econômica dos aviões lotados e com mau serviço, ficar em praias ou resorts lotados e enfrentar filas nos aeroportos, nas estradas e no desembarque dos navios para três mil passageiros. É preciso pensar cada vez mais em conceitos como tematização, segmentação, “tribos” urbanas, entretenimento, convergência de culturas e atividades pós-industriais. Lugares como Cingapura, Dubai, Orlando e Las Vegas são exemplos de articulação entre mercado imobiliário, novas tecnologias, hospitalidade sofisticada, parques temáticos de ponta, entretenimento, luxo, turismo de massa e eventos. Não se pode condenar simplesmente o turismo de massa, mas é preciso entender sua dinâmica sem preconceitos e entender que para grandes faixas da população é a única opção economicamente viável.
O senhor afirmou, no livro A Sociedade Pós-Industrial e o profissional do Turismo que o Turismo e o Lazer são importantes demais para serem discutidos apenas no âmbito do mercado. Como reverter isso? É preciso aprimorar cada vez mais a educação básica, garantir acesso à cultura e fortalecer as instâncias sociais de participação – especialmente o terceiro setor – para possibilitar que as políticas públicas e algumas políticas privadas de lazer e turismo sejam discutidas amplamente pela sociedade civil. Instituições como SESC, SESI, SENAC, SENAI, sindicatos, igrejas, associações de classe e outros grupos devem participar dessas discussões. Alguns projetos do Ministério do Turismo como Caminhos do Futuro (www.caminhosdofuturo.com.br) e os programas de educação a distância favorecem essas discussões em um âmbito maior, gerando mais participação e discussão sobre os problemas do turismo brasileiro. É importante que haja divulgação do conhecimento e espaço para reflexão, crítica e discussões embasadas em argumentos sólidos e articulados entre as diversas áreas sociais. A mídia pode ajudar nessas discussões, assim como o mundo acadêmico tem obrigação de produzir pesquisas e conhecimento para fomentar esses debates. Em suma, é necessária uma organização social ampla e organizada.
Em América e outras viagens o senhor fala do encanto que o EUA o provocou. Qual a sua impressão agora, com a eleição de Barack Obama? O que os EUA ainda podem nos ensinar e o que temos a mostrar, como brasileiros, aos estadunidenses? A eleição de Barack Obama foi um avanço importante nos níveis de políticas sociais, étnicas, culturais, política externa e participação dos EUA na dinâmica global. Ele terá que administrar as conseqüências da pior crise econômica das últimas décadas e recuperar a imagem dos EUA, seriamente prejudicada pelas políticas (interna e externa) desastrosas de George W. Bush. Obama é um político que entende a linguagem da mídia, dos jovens e dos diversos segmentos sociais. Sentiu na pele os efeitos dos preconceitos, abriu seus próprios caminhos na sociedade norte-americana e traçou uma política aberta, baseada na confiança e na participação das pessoas dos diversos segmentos e organizações sociais e políticas dos EUA. Seu primeiro discurso como presidente eleito, em Chicago, foi uma peça de oratória lúcida, democrática, inclusiva e responsável. Temos que aprender (com os norte-americanos) muitos conteúdos e métodos sobre gestão, marketing, articulação entre os diversos serviços e a importância da qualidade como vetor principal na organização dos serviços destinados ao lazer e turismo. Podemos mostrar a eles e ao mundo nossos parâmetros de hospitalidade, uma cultura rica e multifacetada, a cor e os sons brasileiros, a criatividade, bom humor e o prazer em viver num país complexo e plural.
Finalizando, o Turismo GLS é o seu mais novo tema para futuros estudos e publicações? Sim. Tenho trabalhado com as relações entre hedonismo e turismo, e o primeiro prazer humano é o sexual. Estudar o prazer em todas as suas formas é fundamental. Quando Alexandre Panosso e Marília Ansarah lançaram a idéia do livro Segmentação do Mercado Turístico (São Paulo: Manole, 2008) escolhi o capítulo sobre turismo GLS, pois queria oferecer uma visão aberta e culturalmente embasada do segmento. As pesquisas originaram três textos: um deles foi publicado na revista Ábaco, na Espanha; outro foi uma resenha do livro Travesti, de Don Kulick, nos Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz do Rio de Janeiro; e o terceiro foi o capítulo sobre turismo GLS no livro de Panosso e Ansarah. Entender o segmento GLS, ao lado de outros segmentos sociais importantes e que lutam pela sua inclusão, é fundamental para entender a estrutura dinâmica das sociedades pluralistas, democráticas e complexas. Os temas sobre as minorias étnicas, sexuais ou culturais são fundamentais para as ciências sociais e para os estudos sobre mercados e serviços direcionados a novos nichos. Sem contar que a cultura gay (assim como outras culturas inclusivas) contribui sistematicamente para a riqueza cultural e artística do país, ao lado de sua participação importante nas lutas políticas de inclusão e respeito à diversidade em geral. Fortalecer as minorias é fortalecer a sociedade como um todo e garantir liberdades democráticas. Sempre afirmei que os profissionais em lazer e turismo não podem ser – ou compactuar – com o machismo, preconceito, racismo, xenofobia ou etnocentrismo.
Para quem deseja acompanhar mais de perto o trabalho e o pensamento do Prof. Trigo, informamos que o endereço do seu blog é www.luiztrigo.blogspot.com e que ele assina quinzenalmente uma coluna no www.hoteliernews.com.br .
Entrevista realizada em novembro de 2008
Responsável:
Prof.
Dr. João Batista Neto
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Revista
Eletrônica de Turismo Cultural
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